14 de out. de 2008

A Velha Cega.

A chuva cai. Um carro passa. Outro carro passa. Molha alguém na calçada. Ouve-se palavrões. A chuva cai. Sentada perto da janela, uma velha cega ouve o mundo passar. No seu colo um gato manco. Os olhos opacos da velha. Os olhos amarelos do gato.

Passava assim seus dias. Sozinha em casa, apenas o gato por companhia. De manhã sua filha saia. De noite ela voltava. E a velha sentada perto da janela. Lembrando do tempo em que podia ver. Como era bonita aquela rua. A praça logo em frente. Bem cuidada e florida. As ruas limpas. Mas já fazia muito tempo. Agora, como será que estava a rua, a praça? Gostava de sentar no banco da praça e sentir o perfume das flores. Mas tinha medo de sair sozinha. Não havia ninguém para leva-la até lá. Ninguém para fazer companhia a uma velha cega num fim de tarde. Sua filha ocupada. Seus netos longe.

Ela também, já havia sido muito bonita. A mais bela do bairro. Com que todos os rapazes queriam namorar. Faziam serenatas na sua janela. Pediam-na em namoro a seu pai. O pai, um bom homem, dizia que ela escolheria com quem iria se casar. Ela escolheu. Um rapaz diferente dos outros. Quieto, meio tímido. Estudante de direito. Tiveram três filhos. O mais velho era médico e agora morava longe. Ele tinha dois filhos, que nas férias passavam alguns dias com ela. A mais nova era professora. Tinha uma filha que fazia faculdade em outro estado. A filha do meio havia morrido, junto com seu pai, há dez anos, em um acidente de carro. O mesmo que a havia deixado cega.

Um dia, em que seu filho a estava visitando, convenceu seu neto mais velho a acompanha-la até a praça. Depois de algum tempo sentados, em que ela lhe contou histórias de quando era moça, ela entediado disse que tinha que ir a algum lugar e a deixou lá, sozinha, e foi até a banca da jornais olhar as revistas. Ela ficou sentada. O gato no colo. Depois de algum tempo ouviu alguém se aproximando. Pela voz parecia um garoto, entrando na adolescência. Pediu licença e sentou ao lado dela. O garoto parecia simpático. Ela começou a conversar com ele. Ele respondeu, pareceu interessado. Ela contou suas histórias. Ele ouvia. Ouviu muitas. Durante a tarde toda. Quando a velha começou a sentir que esfriava perguntou as horas ao garoto. Era tarde, e seu neto ainda não havia voltado. Ela começou a se assustar. Estava perto de casa, mas não saberia voltar desacompanhada. O garoto pareceu perceber. Perguntou se ela não queria que ele a acompanha-se. Com um pouco de vergonha aceitou. Disse o número de sua casa. Ela a pegou pelo braço, com cuidado, e a conduziu. Tocou a campainha e esperou até que abrissem a porta. Só depois que ela havia entrado e que foi embora. Sua filha perguntou que era aquele garoto. “Ele pareceu tão simpático e educado.” Ela não sabia. Realmente, ela não havia se apresentado. Apenas escutou, com paciência e atenção as histórias de uma velha. Seu neto, quando chegou em casa, tarde da noite, levou uma bronca e um castigo por ter deixado sua avó na praça.

Aquele dia foi um pouco mais feliz para ela. Uma pequena gentileza. Um momento de atenção que um garoto desconhecido havia tido com uma velha cega. Poder contar histórias, relembra-las, revive-las. Dias que haviam sido mais felizes. Para a maioria das pessoas pode parecer pouco, mas quando o que se tem são só as lembranças, poder lembra-las e compartilha-las adquire um valor imenso.

Esperava um dia poder reencontrar aquele garoto. Agradecer-lhe. Saber seu nome.

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