9 de out. de 2008

O Garoto.

Todo dia era a mesma coisa. Sete horas da manhã. Sua mãe abria a porta do quarto. Dizia: “acorda, já está na hora, você vai se atrasar!” Mas ele já estava acordado. Há muito tempo. Isso quando dormia. Quando não passava a noite inteira em claro, pensando. Pensar, ele fazia muito aquilo. Mais do que a maioria das pessoas que ele conhecia. Ele pensava, se lembrava das coisas, de todas as coisas. Via padrões, ligações. Via coisas que ninguém mais via. Quando era mais novo ele tentava contar aos outros, aos adultos, essas coisas. Ninguém acreditava nele. Era apenas uma criança! O que ele poderia saber que um adulto já não soubesse? Como ele insistia, teimava em achar que estava certo o levaram a um médico. Fizeram muitos exames. O médico descobriu que ele era um gênio, isso foram obrigados a admitir. Muito mais inteligente do que a média da sua idade, na verdade mais inteligente do que a maioria dos adultos, mas isso era mais difícil deles admitirem. Agora, com onze anos, já não contava nada a ninguém. Ia a escola. Sabia que não precisava, tudo o que os professores ensinavam ele já sabia, quase sempre muito melhor do que o professor, mas tentava se comportar como eles esperavam que ele se comportasse. Não fazia nada estranho. Fingia se interessar. As vezes tirava uma nota um pouco menor, só para parecer normal.

Um pouco contrariado ele se levantou. Acendeu o abajur. Se sentou na beirada da cama e ficou olhando para as paredes. Todas cobertas por recortes de jornais, fotos, alguns posters. Reportagens sobre acidentes. Suicídios. Sua mãe não gostava daquelas reportagens falando sobre pessoas mortas, sobre suicidas, mas ele conseguiu convence-la de que não era nada de mais. Disse que queria ser policial, como seu pai. Ela acreditou. Mas havia algo a mais naquelas reportagens, algo que ninguém conseguia enxergar. Um padrão que apenas ele via. Ainda não havia compreendido o porque. Faltava alguma peça. Algo que não aparecia nos jornais. Um detalhe. Ele havia decidido. Iria descobrir.

A mãe voltou. Tornou a chamar. “Já levantei”, ele respondeu. “Ótimo, então vem tomar café ou você vai se atrasar”. Foi. O que mais poderia fazer? Tomou o café. Trocou de roupa. Saiu. Ia andando até a escola, eram apenas dois quarteirões. Sua irmã ia com a mãe para o trabalho, para a creche.

Enquanto andava ia pensando. Tentando ver as os padrões, as conexões que faltavam. Carregava na mochila dois cadernos. Um onde ele fingia anotar a matéria que os professores passavam. O outro, esse era importante para ele. O diário, onde ele anotava todo o que descobria, onde carregava recortes dos casos que pareciam mais importantes, que preenchiam as maiores brechas.

Conforme ia andando para a escola encontrava com alguns colegas de turma. Não tinha amigos. Não sentia que tivesse ou que precisasse realmente de um. Mas a maioria dos colegas gostavam dele, as meninas principalmente. Ficavam dando risinhos e apontando quando ele passava no corredor. Ele não se importava. Se alguém parasse para conversar ele respondia. Poderia pensar e conversar ao mesmo tempo. Para ele era fácil. Apenas duas pessoas, que ele conhecia desde pequeno, que moravam na mesma rua que ele. Um casal de irmãos. Normalmente iam andado juntos para a escola. Conversando. Eram os únicos que sabiam que ele era um gênio. Gostava deles. Até onde ele era capaz de gostar de alguém. Eram os únicos que sabiam, um pouco mais, das coisas que ele pensava. Eram jovens, não tinham tantos preconceitos. Conseguiam entender que ele realmente via as coisas que dizia.

Chegaram no portão da escola faltando cinco minutos para o horário de entrada. Ele foi até a banca de jornal. Os dois irmãos o acompanharam. Comprou um jornal e o folheou. Leu na verdade. Quando chegou no meio do jornal parou. Sorriu. Havia encontrado. Mais uma peça. Uma matéria curta. Uma mulher havia sido encontrada morta, caída em um calçada no centro da cidade. Aparentemente havia pulado do prédio. Havia com ela um envelope, lacrado, endereçado a um homem que não foi identificado. Era aquilo. A peça que faltava.

O sinal bateu. Ele guardou o jornal na mochila e entrou na escola. Os amigos do lado. Haviam achado estranho vê-lo sorrir. Ele quase nunca sorria, não de verdade, não como havia sorrido agora. Ele devia ter encontrado mais alguma peça do seu mistério. Sabiam que não contaria nada, não na escola. Entraram na sala e se sentaram. Logo o professor entrou, deu bom dia aos alunos e começou a passar a matéria no quadro. Seria mais um longo dia.

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